Para quando uma educação verdadeiramente inclusiva?
(texto publicado no Público em 21/07/2021)
Numa aula de um curso universitário, fala-se sobre uma possível viagem a um país europeu para se conhecer outro sistema público da área. A I., estudante universitária com doença de Crohn (uma das doenças inflamatórias do intestino) e a tomar imunossupressores injectáveis, coloca algumas questões básicas para compreender melhor os aspectos da viagem para, desta forma, conseguir organizar a sua logística: a medicação precisa de ser transportada como bagagem de mão, logo, precisa de uma declaração do médico; precisa de ser mantida a uma temperatura estável, logo, precisa de saber se ficarão em quartos com frigorífico e se permanecerão sempre no mesmo alojamento ou se andarão a saltitar de um local para outro. Questões que qualquer outro estudante não levantaria, mas questões importantes para quem tem necessidades diferentes dos restantes mortais.
Para seu grande espanto, a professora respondeu em frente de toda a turma, e cito: “Com tantos problemas vais ser um estorvo nesta viagem. É melhor não ires.”
Gostaria de dizer que este tipo de situação é caso único. Infelizmente, estaria a mentir. Já todos lemos notícias sobre crianças e jovens com necessidade de acomodações razoáveis que lhes são negadas pelas próprias escolas. Crianças e jovens com Crohn ou Colite Ulcerosa fazem, também, parte deste número de seres humanos que, desde tenra idade, enfrentam o estigma, o preconceito e a falta de flexibilidade do mundo que os rodeia.
As dificuldades de integração escolar por crianças e jovens com doenças inflamatórias do intestino (e outras doenças crónicas) acrescem aos desafios marcantes durante o seu percurso escolar e vida pessoal. É conhecido e estudado que estas doenças têm um impacto na vida escolar, ora atrasando, muitas vezes, a aprendizagem, ora privando a criança ou jovem de passar tempo com os seus pares, ou ainda de participar em actividades sociais, sem esquecer os grandes entraves em estabelecer relações mais íntimas.
Quando essa dificuldade é ainda maior pela falta de sensibilidade, condições e recursos das escolas e universidades em garantir a inclusão destas crianças e jovens, estamos muito longe de viver numa sociedade inclusiva.
Agora que terminou mais um ano lectivo, e se prepara o próximo, é relevante que se tenha estes pontos em consciência e, sobretudo, ter isto em consideração: há crianças e jovens que dependem de um ambiente escolar com acomodações razoáveis e mais inclusivo para poderem participar em pleno na vida escolar. Pais, alunos, pessoal docente e não docente, podem contribuir de forma activa para a melhor integração de crianças e jovens com doença de Crohn e Colite Ulcerosa. Partilho algumas sugestões:
- Criação de um plano (em conjunto com os jovens, pais e/ou cuidadores) que vá ao encontro das necessidades durante as aulas e actividades;
- Permitir que a criança ou jovem se sente numa mesa perto da porta e estabelecer uma forma discreta de dizer aos professores que precisam de ir à casa de banho;
- Criar as condições para que as crianças e jovens tenham um cacifo para guardar uma muda de roupa;
- Acesso a uma sala privada e pausas para tomar os medicamentos;
- Autorização para usar a casa de banho dos funcionários;
- Flexibilidade nos atrasos ou faltas escolares;
- Esclarecimento dos colegas sobre este tipos de doenças, promover a empatia e encorajamento na participação e ajuste de actividades;
- Ajudar os professores, auxiliares e pais a adquirirem mais conhecimentos, empatia e sensibilidade face às doenças crónicas e à forma como elas afectam o ensino.
Para termos uma escola verdadeiramente inclusiva, para todos os alunos e todas as alunas, independentemente da sua situação pessoal e social, é importante permitir que alunos, alunas, pessoal docente e não docente encontrem respostas que possibilitem a aquisição de um nível de qualificação facilitador da inclusão social. Só assim estes adultos do futuro poderão ter acesso equitativo a uma educação de qualidade e aprendizagem ao longo da vida, essenciais a uma inclusão e uma cidadania plena.