DII em idade pediátrica: porque é importante falar disto?
Em 2018, por altura do lançamento do meu livro um ”conviver com as doenças inflamatórias do intestino”, uma mãe entrou em contacto comigo. Notava nas palavras dela, no tom com que escrevia, uma mistura de culpa com desespero: a bebé dela, com 4 meses, tinha recebido o diagnóstico de colite ulcerosa.
Nas semanas e meses que se seguiram, conheci uma mulher que é uma mãe fantástica e abdicou de tudo em prol de cuidar da sua bebé. Uma mãe disposta a tudo, até a trocar de lugar com o sofrimento da sua filha sem qualquer laivo de hesitação. Lembro-me que havia dias que ela me confessava, mesmo sem o dizer expressamente, o seu desespero, quando me mostrava uma fralda cheia de sangue. A troca de fraldas que por norma o mais arriscado que há é levar com um xixi na testa ou encontrar cocó até ao pescoço do bebé, para aquela mãe era um acto doloroso e de preocupação.
Hoje esta mãe é tida por muitos outros pais que têm filhos na mesma situação como um exemplo a seguir e a bebé, que entretanto tem estado a crescer, tem um todo um futuro à sua frente.
Porque vos conto isto? Porque 25% dos casos de uma doença inflamatória do intestino são diagnosticados em idade pediátrica. Por outras palavras para o caso de não teres percebido bem: 1 em cada 4 casos de doença inflamatória, seja Crohn ou Colite Ulcerosa, é diagnosticado a seres humanos com menos de 18 anos. 18% destes seres humanos com menos de 18 anos, podem andar às aranhas à procura de um diagnóstico durante 5 anos. Deixo-te a ti imaginar o desespero dos pais, mães, e claro: da criança!
Como é óbvio, uma doença inflamatória do intestino pode ter um impacto brutal no desenvolvimento físico e mental da criança e cerca de 52% das crianças com crohn ou colite ulcerosa sentem que a doença afectou o seu desempenho escolar.
Perguntas tu: ó Super Coach, mas como é a vida de uma criança com doença inflamatória do intestino?
E eu, a super coach, possuída da melhor informação que consegui encontrar de fontes credíveis, honestas e disponíveis, digo-te: a doença inflamatória intestinal não é uma doença que as crianças superem, no sentido que é uma doença crónica. Sabes, aquela coisa do “prá vida”, do casamento sem divórcio. Agora, as crianças aprendem a viver com ela e a gerirem o seu dia a dia com ela.
Importante lembrar que muitas crianças têm longos períodos, às vezes anos, sem sintomas. Agora, não nos podemos esquecer que algumas crianças com DII faltam muito à escola. Aquelas que têm cólicas dolorosas, diarreia frequente ou vontade de vomitar têm dificuldade em ficar sentados durante as aulas ou no autocarro para ir e voltar da escola. Há casos que a dieta que terão que fazer não é igual (de todos) às das outras crianças. E todos sabemos quão cruel as crianças podem ser umas para as outras em certas idades… E , desenganem-se: os adultos também conseguem ser muito cruéis com crianças que se queixam e as suas queixas são descartadas para um canto como se fosse a coisa mais abjecta à face da terra. Por isso, é bom ser sensível e estar disposto a ouvir quando alguém com DII deseja falar, se já com um adulto é importante, imaginem com uma criança que está a aprender a relacionar-se com o mundo. Simplesmente falar sobre a doença às vezes pode ajudar as crianças com DII a se sentirem muito melhor sobre tudo o que lhes está a acontecer.
Uma coisa que as crianças com DII podem fazer é cuidar bem de si mesmas, fazer exercícios, tomar a medicação e comer alimentos que as farão crescerem fortes. Gerindo a sua própria DII, com a equipa médica e a família, as crianças com este tipo de condição podem levar uma vida normal ou muito próximo disso. E os pais têm um papel fundamental a ajudar os seus filhos nisto.
Tal como em 2018, muitos outros pais e mães questionam-se sobre como podem ajudar os seus filhos. Não há propriamente um manual de instruções para parentalidade. Era bom que houvesse, não é? Bom, parentalidade de uma criança com doença inflamatória do intestino, também não há propriamente manual de instruções! Não há soluções chapa cinco nem receitas milagrosas. Contudo, partilho algumas sugestões, que os pais e as mães são livres de escolherem aquelas que lhes parecem mais adequadas à sua realidade e com as quais se sentem mais confortáveis:
- Primeiro, falar com o médico do teu filho. Na primeira consulta pede um contacto em caso de haver algo que seja importante esclarecer, algum sintoma grave que tenha surgido. O médico pode recomendar “medicamentos de sos” por exemplo e pode ainda recomendar uma mudança necessária no plano de tratamento do filhote.
- Muito importante: ajudar a criança a manter-se hidratada, com o melhor descanso possível e ativa. A hidratação é sempre importante para crianças com DII, mas especialmente para aquelas que têm diarreia. Oferecer água e bebidas desportivas com eletrólitos, mas evitar bebidas com alto teor de açúcar, como refrigerantes, que podem piorar os sintomas. O descanso ajudará o filhote na recuperação, obviamente. Mas a atividade também é importante, porque pode ajudar a minimizar a rigidez articular que às vezes está associada à DII. Por isso, o equilíbrio é o ideal
- Um outro ponto, provavelmente um dos pontos mais difíceis para miúdos e graúdos: é a comida! Os pais esperam e desesperam sobre o que preparar para as refeições dos miúdos. Uma criança com DII pode ainda ser mais desafiante. É importante manter uma boa nutrição e consultar um bom nutricionista em DII que possa, pelo menos, ajudar a orientar no inicio do diagnóstico, é sempre uma boa opção. O nutricionista pode, por exemplo, orientar as quantidades e quais os alimentos fáceis de digerir que podem ajudar o intestino do filhote durante uma crise. Pode também pode acontecer que o médico sugerir um produto de nutrição clinica. Não é barato, mas em certos casos ajuda imenso o intestino a recuperar.
- Ninguém gosta de ter dor. Muito menos ver uma criança em sofrimento. Contudo, é preciso ter cuidado com os medicamentos para a dor. Alguns analgésicos de venda livre podem piorar os sintomas de DII. Por isso, é importante conversar com o médico do filhote para saber o que usar em SOS. Se o filhote estiver com dores nas articulações durante uma crise, por exemplo, podem sempre tentar terapia de calor (mais conhecido por saquinhos de água quente ou banhos de imersão), massagem suaves e descansar em vez de medicamentos anti-inflamatórios que só deverão ser tomados mediante prescrição médica.
- Controlar a irritação da pele e as úlceras. Ora, se o filhote está com diarreia frequente durante uma crise, é importante manter a área anal o mais limpa e seca possível. Uma pomada tópica à base de óxido de zinco pode proteger a pele se ainda não estiver rompida. Se a pele estiver com fissuras, aí é pegar no telefone e falar com o médico.
Eu sei que os pais sofrem também com o que se passa com os filhos e por diversas vezes ao longo dos anos que falo abertamente sobre doenças inflamatórias do intestino, foram vários os que me contactaram directamente, com dúvidas e perguntas sobre como apoiar os filhos com DII. Contudo, gostaria de terminar este episódio com uma mensagem especial às mães. Porque quer queiramos quer não, continuamos a viver num mundo que se exige mundos e fundos às mulheres que são mães, em que há todo um nível de exigência para lá do razoável, e continuamos a fazer com que as mães se sintam culpadas por tudo e um par de botas.
Gostaria de começar por dizer: NÃO TENS CULPA! Teres uma criança com uma doença crónica é desesperante, eu sei, vais perguntar muitas vezes o que é que fiz de errado para a minha criança estar a sofrer. A verdade, é que não fizeste anda de errado. Absolutamente nada.
Sim, haverão sempre pessoas que não percebem um boi de doença inflamatória do intestino (e honestamente nem de maternidade) que continuarão a mandar bitaites que começam por “se fosse eu…” Mas a verdade é que não são elas e em bom rigor nem elas sabem o que fariam se estivessem no teu lugar.
Por isso, sê a mãe e o pai que achas que deves ser, ama a tua criança como sempre sonhaste amar. Vive um dia de cada vez, chora quando achas que deves chorar, ri sem medos e sobretudo, vive sem culpa porque há coisas que não consegues controlar.